Apreensões ilícitas e prisões provisórias sem prazo
17 de maio de 2023
17 de maio de 2023
Por Antonio Ruiz Filho
Declarando a nulidade das provas obtidas em ação da Polícia Federal, realizada em setembro de 2019, para cumprimento de mandado de prisão contra "André do Rap" – acusado de tráfico de drogas e de pertencer a organização criminosa –, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou o respectivo inquérito policial porque, na oportunidade da diligência policial, não havia autorização judicial para a realização de busca e apreensão na residência do investigado.
Segundo o voto do relator, ministro Rogério Schietti, durante o cumprimento de mandado de prisão é permitido o recolhimento dos bens que estejam na posse direta do investigado, como resultado da busca pessoal, mas não de outros objetos de seu domicílio, ainda que possam corroborar a existência de algum crime, quando não haja mandado judicial também para essa finalidade. Prova assim obtida há de ser considerada ilícita, nos termos da Constituição Federal (art. 5º, LVI).
Pouco tempo depois da prisão, que fora concretizada, o Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) incluiu o parágrafo único no art. 316 do Código de Processo Penal (CPP), para prever a necessidade de reavaliação da prisão preventiva no prazo de 90 dias, “mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.”
Na nossa opinião, o dispositivo criou um limite razoável para a prisão provisória, a partir desse prazo exigindo que houvesse nova avaliação, considerando exigências contemporâneas para a sua manutenção.
Sabe-se que há frequentes abusos quanto a prisões provisórias no Brasil, sem que haja motivos que as justifiquem por longos períodos (meses e até anos), especialmente depois que se criou outras possibilidades com medidas restritivas diversas da prisão, nos termos do art. 319 do CPP, capazes de resguardar a sociedade sem aumentar o volume dos graves problemas do nosso caótico sistema prisional, que se presta a fomentar o crime organizado.
Assim, com base na nova previsão legal, o então ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), libertou aquele preso, pela falta de cumprimento ao mandamento legal de reavaliar a prisão em 90 dias por inação do juiz do caso. O fato provocou alarde social e da mídia, levando o presidente do Supremo à época, ministro Luiz Fux, a suspender a decisão liminarmente, decisão depois mantida pelos demais ministros do STF no HC nº 186.144, de tal modo que o dispositivo aprovado pelo Congresso Nacional, que visava a dar fim a prisões provisórias abusivas, foi tornado “sem efeito cogente”, apesar da sua clareza – afinal, in claris cessat interpretatio (quando a lei é clara, não é necessário interpretá-la).
Posteriormente, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6581 e 6582, o STF fixou entendimento – a nosso ver, contrário à legislação – no sentido de que a ausência da reavaliação da prisão preventiva no prazo de 90 dias não implica a revogação automática da custódia, assim retirando o poder coativo do mandamento legal.
A reavaliação periódica da prisão preventiva, que continua prevista no CPP, é garantia fundamental para assegurar que a medida restritiva da liberdade seja mantida apenas quando as circunstâncias justificarem sua continuidade, sempre lembrando que o Brasil, apesar da sensação de impunidade de que se ressente a sociedade, está entre os campeões mundiais de encarcerados (algo em torno de um milhão de presos), sendo cerca de 30% desse contingente formado por presos que ainda não foram definitivamente julgados ou sequer tiveram contra si uma sentença condenatória.
Fontes: STJ (HC 53.988) STF (ADIs 6581 e 6582) STF (HC 186.144)