Bullying e Cyberbullying – novas figuras penais
1 de fevereiro de 2024
1 de fevereiro de 2024
Por Antonio Ruiz Filho e Letícia Mendes Rodrigues
Nos primeiros dias de janeiro, foi sancionada a Lei nº 14.811, já em vigor, que institui medidas de proteção à criança e ao adolescente nos estabelecimentos educacionais ou similares, ainda prevendo a criação de Política Nacional e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, com alterações no Código Penal, na Lei dos Crimes Hediondos e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Entre as inovações, a norma inclui na lista de crimes hediondos o agenciamento, recrutamento, intermediação ou coação de menores para registros ou gravações pornográficas; exibição ou transmissão digital de pornografia infantil; compra, posse ou armazenamento de pornografia infantil; tráfico de pessoas menores de idade; sequestro e cárcere privado de menores; e induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio ou à automutilação de qualquer pessoa por meios virtuais.
A Lei também prevê que as penas para o delito de homicídio contra menor de 14 anos, se praticado em instituição de educação básica pública ou privada, pode ser aumentada em dois terços e dobrada para o crime de indução ou instigação ao suicídio caso o autor seja líder, coordenador ou administrador de algum grupo, comunidade ou rede virtual, e, ainda, incluiu entre os crimes previstos no ECA a exibição, transmissão, facilitação ou o auxílio à exibição ou transmissão, em tempo real, pela internet, por aplicativos ou qualquer outro meio digital de pornografia com a participação de criança ou adolescente.
Mas a nova Lei não se restringiu à proteção de crianças e adolescentes; criou dois crimes de caráter geral: o Bullying e o Cyberbullying.
O bullying pode ser tecnicamente definido como a adoção de comportamentos repetitivos e prejudiciais destinados a causar dano a outrem, geralmente em ambiente social – frequentemente disseminado e perigosamente ampliado pelas redes eletrônicas.
A figura agora prevista pelo novo art. 146-A do Código Penal, "Intimidação sistemática (bullying)", passa a caracterizar como crime a conduta de "intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação, ou de discriminação, ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais."
A pena é de multa, que pode ser de valor irrisório ou chegar a milhões de reais, especialmente se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, seja ineficaz, embora aplicada no máximo (art. 60, § 1º, CP).
A "Intimidação sistêmica virtual (cyberbullying)", incluída pelo parágrafo único do novel artigo, prevê pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa, "se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos online ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real." Trata-se, mais propriamente, de causa de aumento de pena, quando o bullying for praticado pela internet.
Aqui, uma primeira observação: parece desproporcional que o bullying não praticado pelas redes possa merecer apenas pena de multa e, de sua vez, a modalidade virtual mereça pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa, embora, evidentemente, tenha maior potencial criminógeno.
Também cabe considerar que a conduta, quando praticada por menores de 18 anos é ato infracional, respondendo o seu autor conforme as medidas previstas no ECA.
Quanto ao crime de cyberbullying, é fundamental que a vítima registre a chamada ata notarial a que alude o art. 384 do Código de Processo Civil, com a finalidade de preservação do fato por meio de documento público. Tal providência é comumente utilizada para comprovar a existência de conteúdo publicado em meio eletrônico – o seu registro também pode ser realizado pela plataforma e-Notariado (www.e-notariado.org.br).
É sabido que o bullying pode ter sérios efeitos sobre a saúde mental e emocional da vítima, levando a problemas como ansiedade, depressão, isolamento social e suicídio. No entanto, é crucial equilibrar a necessidade de controle social com a proteção dos direitos individuais e princípios constitucionais em relação ao increpado.
A criminalização dessas condutas é resultado do fenômeno denominado “expansão do direito penal” (SILVA SÁNCHEZ, 2001), que se refere ao aumento significativo do número de tipos penais e à ampliação das condutas criminalizadas como resposta a diversas demandas sociais, o que, de certo modo, se contrapõe ao conhecido princípio da ultima ratio.
Mais importante que criminalizar condutas e aumentar penas é criar um movimento de conscientização sobre o bullying e educar os jovens – grupo mais afeto a essa prática –, promovendo um ambiente seguro e respeitoso para todos, de modo a prevenir danos físicos e emocionais.
Assim, é louvável que a Lei nº 14.811 tenha estabelecido uma Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, com inúmeras providências a serem adotadas nesse auspicioso sentido.
Publicado no Senado.leg Planalto.gov