Por Antonio Ruiz Filho
21 de abril de 2020
Com essa afirmação: eu sou a Constituição - que bem lembra a frase l'État c'est moi, atribuída ao Rei Luís XIV, no auge do absolutismo francês -, o presidente da nossa sofrida República, demonstra, de duas, uma: ou não sabe que a sua função não se confunde com a Constituição, ou procura rasgá-la, ao menos uma vez por dia!
De fato, revelando - aliás, como de costume - que se arrependera do palanque improvisado do último domingo (19/4), oportunidade em que, de forma explícita, ofendera o texto da Carta Magna, ao conspirar publicamente contra a democracia, voltou atrás em poucas horas, na manhã de segunda-feira (20/4), para exaltar o STF: "aqui ninguém quer fechar nada"!
É essa constante e reiterada instabilidade de comportamento - de quem fala o que pensa sem raciocinar -, que subtrai do nosso presidente os atributos de um verdadeiro Estadista.
Eleito presidente por mero acaso do destino, como antítese ao modelo de corrupção instaurado pelo PT, o chefe do nosso Poder Executivo, que, enquanto parlamentar, pouco ou nada realizou em prol do povo brasileiro em quase três décadas de mandato, certamente não demonstra ter qualquer compromisso com os milhares de cidadãos que, nos dias atuais, visam a minimizar a miríade de gravíssimos problemas que emergem como consequência da pandemia gerada pela covid-19.
Amparando-se na obviedade de que a economia do país não pode ser sangrada pela luta diuturna contra a moléstia perversa que ataca sem cessar de norte a sul do Brasil, o presidente, ao banalizar a vida, afirmando: "algumas mortes ocorrerão", expressa os seus pesadelos, assacando infundadas acusações aos seus imaginados inimigos, ora a jornalistas, ora a membros do Congresso Nacional, ora ao Judiciário, e assim por diante...
Vê-se claramente que tais atitudes tomadas pelo chefe do nosso Poder Executivo poderiam igualmente se equiparar, em algumas circunstâncias, a uma das múltiplas modalidades de improbidade, assim entendida, como forma de decomposição, no ato de oferecer o que parcela da população quer ouvir, ainda que em tom demagógico, para obter vantagem própria, qual seja, o incremento de seu accounting eleitoral.
Enfileirado, sem qualquer distanciamento, pelo prestigioso The Economist (11/4), aos déspotas que governam Belarus, Turquemenistão e a Daniel Ortega, o ditador da Nicarágua, o nosso presidente se nega a aceitar a triste realidade atualmente enfrentada, até aqui, pela China, Itália, França, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos da América, que procuram, a qualquer custo, minorar o duradouro sofrimento ocasionado pela pandemia.
Como bem enfatizado pelo eminente ministro Rogério Schietti Cruz, integrante do STJ, em artigo intitulado A futura responsabilização pelas mortes da pandemia e estampando no Estadão (25/3): "Não se sabe ao certo o que virá pela frente, muitas perguntas ainda não têm respostas, mas o que se percebe é que, com ineditismo na história da humanidade, todos os países estão enfrentando, do mesmo lado, um inimigo comum, o qual desafia potências e se infiltra sorrateiramente em cada minúsculo espaço, público ou privado, à espera da próxima vítima, que, muito antes de saber, já terá disseminado a praga a um sem-número de pessoas... Governos responsáveis, cientes dos gravíssimos efeitos na vida financeira de cada país e das deletérias e duradouras consequências sociais de suas decisões, marcham no front, com postura corajosa, determinada, certos de que não cabe timidez ou hesitação para o combate ao inimigo comum. O temor, portanto, de uma inevitável crise econômica não pode prevalecer ante a necessidade de preservar vidas".
Ora, nesse contexto, a postura paradoxal do indigitado presidente, além de prejudicar sobremaneira o combate à disseminação do coronavírus, amesquinha, a cada dia que passa, as nossas instituições públicas no concerto mundial das nações, conspurcando o Estado Democrático de Direito!
A sociedade civil não pode resignar-se. É, pois, dever de todo cidadão brasileiro bradar pela integridade da Ordem Constitucional!
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