É possível a manutenção da prisão preventiva contra a manifestação do MP?
6 de dezembro de 2023
6 de dezembro de 2023
Por Antonio Ruiz Filho
Um dos presos provisórios em razão dos ataques de 8 de janeiro a prédios públicos em Brasília, de forma absolutamente lamentável, acabou perdendo a vida por doença de que havia farta indicação nos autos que tramitam perante o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Seus advogados lutavam pela revogação da medida excepcional de prisão antecipada e há notícia de que o Ministério Público Federal concordou com a libertação do preso.
Além da escandalosa ocorrência, sobre a qual o Estado poderá ser responsabilizado – desde que se comprove o dolo ou culpa do administrador público –, surge questionamento jurídico que interessa avaliar.
A Lei 13.943/19 (Pacote Anticrime), entre outros avanços quanto ao processo penal, a propósito da afirmação do sistema processual acusatório (no qual o juiz deve permanecer inerte em relação à produção de provas, podendo apenas determinar a realização de diligências suplementares para dirimir dúvidas, conforme decidiu recentemente o STF), passou a impedir que o juiz possa decretar medidas cautelares de ofício (art. 282, § 2º, do CPP), notadamente a prisão preventiva (art. 311 do CPP).
Sendo assim, a questão que se põe é se o juiz, em razão da nova sistemática, pode manter prisão cautelar quando o Ministério Público já não mais sustenta a sua necessidade. Se a decretação da prisão depende de representação da Polícia ou requerimento do MP para ser decidida pelo juiz, a manutenção da prisão provisória por decisão judicial parece perder a legitimidade se a parte acusatória concordar com a revogação.
Todavia, tanto o Supremo Tribunal quanto o Superior Tribunal de Justiça vêm decidindo que o juiz não está vinculado à manifestação do Ministério Público pela revogação da prisão preventiva, como que magistrados tivessem a necessidade de atuar tendo em vista a proteção social, função que não lhe compete e que, frequentemente, provoca desequilíbrio na relação processual. O representante dos interesses da sociedade na ação penal é o Ministério Público, devendo o juiz manter-se em posição de equidistância das partes, acusação (que atua pró-sociedade) e defesa (que pugna pelos direitos do acusado). É de se questionar: o que poderia mobilizar o juiz para manter a prisão antecipada de alguém se a parte interessada a dispensa? Cumpre verificar que isto nos leva ao âmago do sistema processual acusatório, no qual o juiz não pode agir sobrepondo-se à atuação das partes, cabendo ao Ministério Público livrar-se de eventual acomodação e tomar para si a exclusividade da proteção social que a Constituição e a Lei lhe conferem.
À medida que o Ministério Público se manifeste sobre a desnecessidade de manutenção da medida cautelar de exceção, a soltura do preso provisório – segundo a nossa convicção – passa a ser a única alternativa juridicamente viável, nos termos dos novos parâmetros processuais sob o sistema penal acusatório.
É claro que, nos casos em que o MP insistir na manutenção da prisão cautelar, o juiz, obedecidos os critérios legais a que está adstrito, fica livre para decidir conforme o seu entendimento, para manter a prisão provisória ou determinar a soltura do preso.
Quais são os efeitos práticos da PEC 8/2021?
O Senado Federal aprovou Proposta de Emenda à Constituição para que a decisão que considerar a inconstitucionalidade de uma Lei dependa de apreciação colegiada perante o Supremo Tribunal Federal, e não se possa mais obstar sua vigência por decisão monocrática.
Isto impediria, conforme sustentou o Presidente do Senado Rodrigo Pacheco, que um único ministro do STF possa contrapor-se à legitima manifestação do Parlamento, depois de longo procedimento legislativo e sanção do Presidente da República, ainda privilegiando a colegialidade que é da essência da atuação dos tribunais.
A reação de alguns ministros da Suprema Corte foi aguda, entendendo que a propositura visa a atingir a desimpedida atuação do Poder Judiciário.
Seja como for, a preservação da colegialidade não parece interferir na independência dos tribunais superiores. E, ainda, diante de circunstâncias provadamente excepcionais, sempre haverá a possibilidade de exercício do poder judicial de cautela.
A Constituição de 1988, de outra parte, elasteceu as possibilidades de controle judicial de constitucionalidade, também aumentando a lista de possíveis requerentes. Os partidos políticos, usando dessa prerrogativa constitucional, passaram a judicializar as matérias em que são vencidos por votações democráticas no âmbito de sua competência, permitindo que o Poder Judiciário participe ativamente (porque provocado) do julgamento sobre a validade da legislação elaborada por representantes do povo, o que tem o potencial de gerar distorções.
A indicação de Flávio Dino ao STF
Não obstante as legítimas manifestações sobre maior representatividade na composição da Suprema Corte, a indicação de Flávio Dino para ministro do STF foi bem recebida nos meios jurídicos. Trata-se de ex-juiz federal e experiente político, de tal modo a ostentar os predicados que se espera do indicado para ocupar uma entre as cadeiras mais altas do nosso Judiciário.