STJ decide que juiz não pode condenar contra pedido de absolvição do MP08 de novembro de 2022
Recentemente, a Quinta Turma do STJ decidiu [1], contra a jurisprudência até então dominante no próprio Tribunal [2], que o juiz, ante pedido de absolvição do Ministério Público ao final da instrução probatória, não pode, como regra, decidir pela condenação criminal.
Sabe-se que o art. 385 do Código de Processo Penal [3] consagra o oposto – desvinculando a sentença da manifestação da parte acusatória pela absolvição na ação penal pública –, daí também sobressaindo o interesse sobre o julgado que, apesar do mandamento legal em contrário, faz todo sentido.
Embora a lei processual penal de 1941 defira ao juiz a faculdade de condenar contra o pedido de absolvição elaborado pelo MP, fato é que a Constituição de 1988 trouxe claro viés procedimental acusatório, ao entregar a titularidade exclusiva da ação penal pública ao Ministério Público (art. 129, I, da CF), além de consagrar os princípios do juiz natural (e, portanto, imparcial) e do contraditório (art. 5º, LIV e LV, da CF) entre outros sinais, assim definindo-se pela completa separação entre o ato de acusar e de julgar, de modo a que o juiz se torne realmente inerte e equidistante da produção da prova e de atos com ela correlatos. Nessa medida, pode-se entrever a inconstitucionalidade do art. 385 do Código de Processo Penal [4].
Além disso, o Pacote Anticrime que passou a vigorar no final de 2019 [5], tornou legalmente expressa essa realidade de “impulsionamento” do processo penal pela acusação (art. 3º-A [6] e art. 282, § 2º, ambos do CPP), inclusive impedindo o juiz de decidir, sem provocação, pela imposição de medidas cautelares e de, entre elas, decretar ou manter prisão de ofício (art. 311 do CPP), hoje dependente de requerimento ministerial ou representação da Polícia.
O acórdão, um pouco mais contido que sua própria ementa, ressalva que é permitido o dissenso entre o pedido absolutório e a sentença condenatória, desde que haja provas robustas para a condenação, na esteira do que já decidiu o Supremo Tribunal Federal [7].
[1] STJ: AREsp nº 1.940.726, pela concessão de Habeas Corpus de ofício, por maioria de votos.
[2] STJ: HC n. 623.589/PR de 2022; AgRg nos EDcl no HC n. 537.251/SP de 2020.
[3] Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhum tenha sido alegada. Aliás, a parte final do dispositivo agride a indispensável correlação entre acusação e sentença, em detrimento do elementar direito de defesa.
[4] Na melhor hipótese, o dispositivo passa a ser inútil, contrariando a máxima: verba cum effecti sunt accipienda.
[5] Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019.
[6] O art. 3º-A e todos os dispositivos que tratam do Juiz das Garantias estão suspensos por liminar do Min. Luiz Fux, nas ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305.
[7] STF: AP n. 976 de 2020.